domingo, 16 de outubro de 2011

Os Primeiros Sinais



1948, a televisão chega primeiro em Juiz de Fora-MG

O escritor Luiz Augusto Milanesi (1978), ao tratar dos efeitos causados pela chegada do sinal de televisão a uma cidade do interior, conta que algumas pessoas continuaram a colocar suas cadeiras e bancos na calçada, como faziam para se informar e se entreter antes do acesso à programação de TV. Só que, desta vez, com as costas para a rua e os olhos voltados para o aparelho que estava no interior da casa. Acreditamos que o ato de dar as costas para o mundo que passa pela rua, dirigindo olhares e atenção para a telinha, torna-se uma metáfora para a chegada da televisão à maior parte das cidades brasileiras, como Juiz de Fora.
Pela proximidade com o Rio de Janeiro, os moradores de Juiz de Fora, desde o alvorecer do século XX, foram chamados, pelos mineiros do interior do estado, de cariocas do brejo. O fato de Juiz de Fora não querer ser mineirae se identificar mais com o espírito da cidade do Rio de Janeiro, distanciou o município da Minas barroca. Acreditamos que a identidade híbrida do
juizforano, mais que pela proximidade física, foi reforçada pela presença marcante dos canais cariocas na cidade durante as duas primeiras décadas da televisão no país.
Reforçando nossa proposta utilizamos as idéias do pesquisador Douglas Kellner (2001), para quem a cultura da mídia, sobretudo as mensagens televisivas, coloca à disposição do público, imagens e figuras com as quais os indivíduos possam identificar-se. Assim, a televisão exerceria efeitos socializantes e culturais por meio de seus modelos, papéis e “posições de sujeito” que valorizam certas formas de comportamento no lugar de outras. Por isso, é relevante o estudo sobre a cultura da mídia para a compreensão de comportamentos e valores de determinada sociedade.
A cidade mineira, que desde os anos 1930 se encantara com as imagens do município mostradas nos cine jornais locais produzidos por João Gonçalves Carriço, exibidos antecedendo as sessões de cinema na cidade, muito cedo começou a se interessar pela televisão. 
Dois anos antes da inauguração no país, o técnico em eletrônica Olavo BastosFreire, já fazia exibições públicas de imagens de televisão.
Na historiografia que temos sobre a televisão brasileira, são raras as referências às transmissões feitas, em Juiz de Fora, pelo técnico em eletrônica Olavo BastosFreire. Consideramos que a televisão na América Latina teve início a partir dessas transmissões, realizadas na década de 1940. Mesmo tendo cursado apenas o primeiro ano ginasial, esse juizforano, apaixonado por eletrônica, deu início à experimentação, utilizando esquemas para construção de um conjunto de TV (câmera-transmissor-receptor), publicados nos meses de maio, junho e julho de 1941, pela revista americana QSP, voltada para radioamadores. Segundo Freire (2001), que não era radioamador e teve acesso às revistas na oficina onde trabalhava, a montagem foi possível com a ajuda de um dicionário de inglês, já que não dominava o idioma, e ainda, graças a um kit para construção do equipamento, trazido dos Estados Unidos pelo amigo carioca, Eduardo Ferreira Rocha. O técnico destaca ainda, que o equipamento só previa a transmissão de imagens, pois para o envio do som, os radioamadores utilizariam os próprios radiotransmissores. De acordo com Freire,
as primeiras experiências foram realizadas sem som. Somente a partir de 1948, o técnico fez uma adaptação que permitiu que o som também fosse transmitido.
O equipamento, que em 1948 proporcionou a primeira demonstração pública de TV da América Latina, começou a ser construído dois anos antes. De junho a dezembro de 1946, tendo comprado o primeiro iconoscópio, Olavo construiu a câmera; de janeiro a junho de 1947, o receptor de 3 polegadas; e de julho a dezembro de 1947, o transmissor. Depois do equipamento pronto, o técnico começou suas experiênciasde transmissão de imagens.
A primeira experiência de transmissão feita em circuito aberto, cujos indícios indicam tenha sido em 1947, assim que os equipamentos ficaram prontos, foi a partir da oficina onde Freire trabalhava na Rua Marechal Deodoro, 373, em Juiz de Fora, realizada com a ajuda do amigo, Ademar Fernando Ribeiro que morava em frente.
Eu coloquei um receptor lá no fundo do quintal dele e o transmissor ficou ali... A câmera ficou na janela da minha oficina nº 373 e eu focalizando o bonde passando ali, o pessoal passando na Rua Marechal... e ele foi ver a imagem lá no fundo, né? Foi a primeira transmissão que eu fiz de televisão em circuito aberto, circuito aberto é quando a imagem é irradiada por ondas hertzianas, porque tem o circuito fechado que eu vou explicar pra você. Em circuito fechado, a câmera é ligada ao transmissor por um cabo, chamado cabo coaxial, então o sinal vai com aquele cabo... Sem o cabo eu não tenho imagem. [...] Até chamei o Ademar lá, ele viu, ele foi o primeiro a ver a transmissão à distância, uma distância pequena, 10m, 20m, até o fundo do quintal [...] Depois eu comecei a fazer experiências em distâncias cada vez maiores (FREIRE, 2001).
Deixando muitas vezes o transmissor e a câmera ligados em sua oficina na região central de Juiz de Fora, Freire ia com o receptor para lugares distantes, a fim de verificar até onde era possível captar as imagens, que segundo o técnico, só não chegava ao bairro Benfica, separado por morros e a 13 Km do centro da cidade (FREIRE, 2001).


Olavo Bastos Freire, destacado no círculo
O Gênio da Televisão

Só em 1948 acontece a primeira experiência pública, registrada pelo jornal vespertino Diário da Tarde, no mesmo dia da transmissão, em 28 de setembro: 
“Juiz de Fora, pioneira da televisão no Brasil” com o “magnífico êxito nas experiências realizadas hoje pela manhã” onde estavam presentes “altas autoridades civis e militares”
As transmissões de Olavo Bastos Freire foram realizadas entre o Clube Juiz de Fora, onde fora instalada a estação transmissora e a Casa do Rádio, na Av. Getúlio Vargas, local em que ficou o aparelho receptor” (Diário da Tarde, 28 de setembro de 1948, p.1).
O artigo do historiador José Luiz Stehling, no Diário Mercantil, publicado alguns anos depois, registrou o acontecimento:

Com o salão do Clube cheio de convidados, foi dado início à demonstração.
Foram televisionados os presentes, mas o sr. General Onofre (sic) ainda não se convencerá da realidade. 
Ao ser televisionada a Av. Rio Branco, pelo telefone, fez a seguinte pergunta para os assistentes da Casa do Rádio:
- “O que vocês estão vendo?”
Resposta: - “Um bonde parado no ponto!” –
“Qual o nome que está na taboleta?
Resposta: “Tapera...” Muito bem, disse ele, mas vamos ver o receptor."

Depois de ver no cinescópio as imagens, S. Exa. convenceu-se de que não fora ludibriado (STEHLING, 1961, p.2).
A opção pela Casa do Rádio, que possuía uma excelente estrutura técnica, foi um pedido de Freire ao proprietário, Ademar Rezende de Andrade. Segundo Stehling, “aflito, procurou o Dr. Ademar Rezende de Andrade na Casa do Rádio, pedindo-lhe a sua cooperação, para as demonstrações públicas que ia fazer em breve, antes dos técnicos franceses fazerem a deles no Rio de Janeiro” (STEHLING, 1961, p.2). A edição de 14 de agosto de 1947 do Diário da Tarde, já fazia referência ao perigo francês, que preocupava o pioneiro Freire, ao tratar da visita de um cientista europeu ao Brasil, denominado pelo jornal como pai da televisão.

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